Ano passado, tive o privilégio de ter em mãos algumas revistas bem antigas da SAF (Sociedade Auxiliadora Feminina), uma sociedade interna da Igreja Presbiteriana. E, na edição de nº 32, Janeiro a Março de 1964, há uma sessão com estudo para três meses, escrita pelo Rev. José Borges dos Santos Jr. O título geral é Sal da Terra, e fala sobre nós, discípulos de Cristo e governo. Os textos dos meses de Janeiro e Fevereiro irei transcrever em outra oportunidade. Hoje, colocarei aqui o estudo do mês de Março, que fala sobre o comunismo. Achei bem interessante, pois foi justamente em 1964!
“Março
Jesus era comunista? Eram os primeiros cristãos comunistas? Atos 2:37-47; 4:31-37.
Não pode haver comunhão entre a luz e as trevas. Não devemos confundir cristianismo e comunismo. A malícia com que alguns, devidamente preparados para isso, dizem aos incautos que Jesus foi o maior comunista, só serve para estabelecer a diferença e é um tributo à grandeza de Jesus Cristo.
Quando as ideologias terrenas apresentam algumas verdade em matéria de conduta ou de vida religiosa, essa verdade já estava contida em toda a sua plenitude no ensino de Cristo. O fato de haver em ideologias terrenas doses maiores ou menores de verdade, não quer dizer que Jesus Cristo tivesse sido adepto de qualquer dessas ideologias. As ideologias terrenas, quando apresentam alguma verdade acerca dos direitos do homem, estão longe de esgotar ou expressar completamente o que Jesus Cristo ensinou. Não devemos confundir, pois, Cristo com comunista, nem cristianismo com comunismo.
Um sabiá tem penas. Um gavião também tem penas. Mas nem por isso nós poderíamos dizer que o sabiá é o maior dos gaviões.
A água não se mistura com o azeite.A única semelhança que existe entre uma e outra substância é que a água é líquida e o azeite também é líquido. Se agitarmos a água e o azeite violentamente, durante algum tempo, eles parecem ficar misturados. Mas, deixados em repouso, imediatamente se hão de separar e o azeite ficará por cima. É o que se pode dizer de cristianismo e comunismo.
A confusão entre Cristo e comunista, entre cristianismo e comunismo decorre de um conhecimento superficial das Escrituras Sagradas. Há certas passagens da Bíblia cujos termos são também usados pelos comunistas. Também é certo que há muita coisa no ensino de Cristo que os cristãos não aplicaram e isso deu oportunidade a ideologias como o comunismo de chamarem a si o mérito da aplicação desse ensino.
É nosso dever examinar as passagens bíblicas que, mal interpretadas ocasionam a perigosa confusão. Um bom exemplo é o que encontramos em Atos 2: 44-47; 4: 31-37.
1- A COMUNIDADE DOS BENS
Veja-se a semelhança e a diferença. A semelhança está na palavra ‘comum’. Mas não passa de mera semelhança. Igualdade não existe. Vamos à prova. O texto diz explicitamente o seguinte: ‘Todas as coisas lhes eram comuns’ e ‘tinham tudo em comum’.
Pergunto: existe neste mundo, ou poderá existir um Estado em que todos tenham todas as coisas em comum? As armas, o telégrafo, o rádio, os laboratórios, a televisão, o uso da palavra, a imprensa, os palácios, as carruagens e quanta coisa mais!
Entre os cristão, naquela diminuta sociedade, todos tinham tudo em comum.
E como se explica esse acontecimento sideral na história da Igreja, que, segundo vemos não pode repetir-se em nenhum Estado neste mundo?
A resposta é simples: quem é que tinha tudo em comum, Aqueles que criam. A comunidade de coisas foi possível porque houve antes verdadeira e total comunhão de fé. Diz ainda mais o texto: ‘Era um coração e a alma da multidão dos que criam’. Absoluta, perfeita consonância de alma e de fé. A base não foi a comunidade das coisas, mas a comunhão de fé. Sem essa comunhão é impossível a comunidade das coisas.
2- O CENTRO DE VIDA E DE ATIVIDADES
Como disse Stanley Jones, o comunismo glorifica a sociedade, a sociedade sem classes, como o fascimo glorifica a nação, o nazismo glorifica a raça, e o capitalismo glorifica o êxito financeiro encarnado no indivíduo multimilionário. Os primeiros cristãos não eram nem fascistas, nem comunistas, nem capitalistas. Eram apenas cristãos, isto é, discípulos de Cristo. O centro da sua vida era Deus encarnado em Jesus Cristo. Era uma comunidade teocêntrica. Colocavam em primeiro lugar, não a raça, ou a nação, a classe e muito menos o dinheiro, mas Deus. Diz o texto: ‘Perseveraram todos os dias no templo, louvando a Deus, e os apóstolos davam com grande poder testemunho da ressurreição de Jesus Cristo.
Não existia qualquer identidade entre a sociedade dos primeiros cristãos e uma sociedade comunista.
3- ATIVIDADE LIVRE
Essa é a diferença essencial entre a sociedade dos primeiros cristãos e todas as outras formas de sociedade, inclusive a sociedade tida como cristã dos nossos dias. Diz o texto: ‘vendiam suas propriedades e fazendas e traziam o preço do que fora vendido e o depositavam aos pés dos apóstolos’.
Os indivíduos dessa sociedade eram de fato, livres. Observamos, antes de mais nada, o seguinte: pela sua forma de conduta eles mostraram que tinham sido completamente libertados de uma das piores formas de medo, o medo de pobreza. Venderam o que tinham e entregaram o preço aos apóstolos.
Observemos, também, que eles venderam por iniciativa própria. Ninguém os obrigou a vender. Não houve desapropriação, nem confisco pelo governo da sociedade. Não houve revolução, nem sangue derramado. Não se tratava, pois, de uma forma estatal como é o comunismo, e sim de simples manifestação espiritual de liberdade. Repitamos: não foi uma compulsão estatal, e sim uma expressão de liberdade espiritual. Porque o Evangelho convida os homens a sua participação alegre, expontânea e livre da vida abundante que Cristo ofereceu. Zaqueu, sem que ninguém lho mandasse, participou dessa vida abundante quando disse: ‘Dou aos pobres metade dos meus bens’.
Os primeiros cristãos, como os comunistas, eram, de fato, violentos e fizeram uma revolução. Mas há diferença entre violência e violência, entre revolução e revolução. É muito fácil fazer violência aos outros. Os primeiros cristãos fizeram violência a si mesmos e a sua revolução usou armas da milícia espiritual, porque eles eram discípulos de Cristo. Nada tomaram de ninguém. Como o seu Senhor, eles deram a si mesmos.
Como se vê, a diferença é muito grande. Os primeiros cristãos não formaram um estado: agregaram-se por afinidade espiritual perfeita numa comunidade. Pode-se dizer que essa comunidade foi um pedaço do céu na terra, uma pequena amostra do que seria o mundo se fosse um o coração e a alma dos que creem e se todos fossem crentes em Jesus Cristo.
Por que será que não se conservou através da história essa forma de viver, ou melhor, essa admirável sociedade ou comunidade ideal?
A resposta é simples: os primeiros cristãos, como faz sentir Stanley Jones, não aplicaram o princípio de modo completo. Cuidaram apenas da distribuição. Mas não basta distribuir, é preciso produzir também para ter o que distribuir. Era preciso que eles estabelecessem uma comunidade em que meios de produção adequados estivesses ao alcance de todos os que fossem capazes aplicassem a sua atividade nos meios comuns de produção.
Como disse o autor citado, é preciso que os meios de produção estejam ao alcance de todos para o benefício de todos, e não apenas nas mãos de alguns para a exploração de muitos.
Por esta observação aprendemos que o problema é bastante complexo.
Convém, ainda, observar o seguinte: a força de coesão daquela sociedade era uma afinidade espiritual perfeita. Ora, essa coesão foi prejudicada por elementos que não eram realmente convertidos a Jesus Cristo, os quais, tendo descoberto aquela sociedade perfeita, quiseram participar dela, tendo em vista a exploração de vantagens criadas, sem o compromisso de contribuir com os outros. Esse é um fenômeno comum: alguns idealistas se sacrificam e fazem uma revolução. Vencida a batalha, aparecem, aos milhares, os exploradores das vantagens alcançadas. E tem sido assim que todos os grandes movimentos idealistas acabaram subvertidos e deixaram de produzir os benefícios visados.
Não será essa uma das falhas da cristandade?
A força das ideologias materialistas cresceu e se fez muito grande com a fraqueza da cristandade. Porque a força do discípulo de Cristo está na submissão completa ao seu Senhor, para aplicar, sem reservas, os princípios do Evangelho.
O mundo está cheio de medo. Disse um pregador que os cristãos vivem com medo. E podemos dividir esses cristãos em duas classes. Primeira, a classe dos que têm medo de se ponha em dúvida a verdade do cristianismo. Segunda, a outra classe, e bem mais numerosa do que a primeira: são cristãos que tem medo de que se aplique em sua totalidade aquilo que Jesus Cristo ensinou. A fraqueza da cristandade é filha dessa forma de medo.
Billy Grahamm, num sermão em Nova Iorque, disse o seguinte: ‘Temos falado demais de Deus nesse país. Temos falado muito em religião. Está na hora de calar a boca, ou de falar mais devagar’.
Como se entende isso?
É simples: quando uma pessoa está ditando para outra escrever, em geral, se esquece de que não se pode escrever tão depressa como se fala. É preciso falar vagarosamente para que a mão possa acompanhar a língua. A fraqueza da cristandade está na multiplicidade de palavras, na agilidade da língua e contrastada pela inércia das mãos. Apareceu, então, uma ideologia materialista que não fala em Deus, de gente que afirma que não crê em Deus e diz que vai aplicar com as mãos os princípios de justiça. Só existe um meio de fazer face a esse materialismo, a esse ateísmo: é por as mãos em atividade para aplicar os princípios de Jesus Cristo.
Mas perguntará alguém: e se vier o comunismo, que havemos de fazer?
Só existe uma resposta, a resposta do Senhor Jesus Cristo, que é também o Senhor da história: ‘Recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo, e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra’.
Convém observar o seguinte: não disse sereis testemunhas em Jerusalém, mas até os confins da terra. Assim também não sereis minhas testemunhas na democracia. Fomos chamados para testemunhas de Cristo dentro de qualquer regime, com liberdade ou sem liberdade. Não nos compete a defesa desta ou daquela ideologia terrena. Compete-nos dar testemunho de Cristo em qualquer situação e sob o regime de qualquer ideologia, pelo poder do Espírito Santo. Somos apenas testemunhas de Cristo!“.
Esse texto, apesar de escrito em 1964, é bastante atual. Desse modo, nós devemos pedir que o Senhor nos ajude, que Ele nos dê sabedoria, para que o obedeçamos. E isso é muito radical! Mas Deus nos dá a graça suficiente para obedecermos.
Por fim, convido você a nos seguir pelo instragam.
Pecadora que crê em Cristo e quer fazê-lo conhecido.
Cirurgiã-dentista (UPE). Doutora e mestre em Odontologia (UFPE).
Pós-graduada em Aconselhamento Bíblico pelo Seminário Presbiteriano do Norte.
Graduanda em Comunicação Social/rádio, TV e Internet (UFPE).